ADVERBIAL
Tudo tão de vez em quando e através
repetidamente entretanto
do mesmo modo de antes
e que será sempre de agora em diante
às vezes ao meio ou de viés
aliás pouco importa como
contanto que sobremaneira assim.
Qualquer hora alhures
muito embora por acaso algures
desde que amiúde portanto
em que pese o quanto dure
ainda que talvez não seja tanto
todavia
pelo menos até o instante possível
pois se for depois de já
sobretudo continuará sendo infinitamente ontem.
Além disso enquanto houver
espaço entre o Nunca e o Então
tudo afinal em harmonia
não obstante absolutamente imprevisível
logo ao mesmo tempo sim e não.
LEVEZA
Os sapatos são para os pés
chão:
repercutem os passos
por onde lhes convidam
os pés,
indo distâncias desmedidas,
mal sabidas…
Entretanto,
o ato de não pisar
corresponde a asas
(finas,
tensas,
tenras),
e tudo o que é aéreo
serve de amparo
(mesmo quando invisível).
As abelhas, por sua vez,
não desenvolveram hábitos
para chão – pousam;
parecem desequilibrar-se
quando soltas de si,
enquanto secam orvalhos
condensados sob vigília.
Os sapatos, em compensação,
pedem cera ou verniz
quase infelizes ao pé da cama.
Na planta dos pés as flores
já nascem esmagadas.
Ao largo do que se pode ver,
o voo trôpego de uma garça
reflete nuvens indecisas
de arrebol.
CORPO DE ALUGUEL
aluguei o meu corpo a mim
por inestimável período
por acaso ele nem me pertence
e não pertence a
sobretudo descartável
o meu não-meu corpo
não depende de mim
do qual descendo
adoece
pulsa
respira
e morre
sem eu permitir
de mim mesmo só possuo o nome
a aparência fica por conta da linhagem
destroçada séculos após séculos
e eu nem estava ainda
aqui
FLOR 'INDA
linda
ainda
finda
a tarde
e enquanto
finda
lentamente
na berlinda
com o sol
preso
à guinda
reflete
o rosto
geométrico
de Florinda
embora
agora
rescinda
amanhã
seja
novamente
bem-vinda
(Poemas extraídos do livro ATALHOS E NUANÇAS de Carlos Laet)